Um Lugar De Meus Sonhos
Acordei muito gripada.
Resolvi nem sair de casa hoje, porque nesse estado seria muito difícil
enfrentar um ônibus lotado, e poderia acabar disseminando esse vírus que me
pegou de jeito. E ir de carro com a gasolina a 3 reais e 15 centavos? Nem
pensar!
Fiquei em casa mesmo refletindo...
Eu sou brasileira e
pago os meus impostos, até os que desconheço eu vou pagando, e pagando. Mas
quando entro no hospital público é sempre a mesma história: “O médico de plantão ainda não chegou e já tem 30 pessoas na sua
frente!”. O jeito é esperar, ou me automedicar, ou pagar mais uma vez por
um médico particular.
E o Brasil está
crescendo em ritmo assustador. Talvez seja até por isso que os impostos não
baixam, porque senão o povo consome muito e desregula a economia. Esse papo
econômico que eu nunca entendo direito. Porque a escola fez questão de nos
treinar para outras coisas, que não, entender as peripécias econômicas,
malandragens políticas e de nossos direitos civis, nada garantidos pela maioria
dos candidatos que elegemos “democraticamente”.
Então eu me dou ao luxo forçado de ficar em
casa e observar de fora, como um mero expectador, o pulsar frenético da cidade
grande. De dentro do meu apartamento estou a salvo! Pelo menos por um dia.
Aqui da minha janela eu
vejo as fumaças saindo dos escapamentos dos milhares de carros engarrafados no
trânsito febril, e brinco de imaginar bichinhos e objetos se formando nelas,
assim como fazia com as nuvens quando era criança. Percebo quando um motorista
a beira de em surto psicótico coloca o corpo do lado de fora de seu carro e
gesticula enraivecidamente contra um outro, que acabou de lhe dar uma fechada para conseguir uma ultrapassagem
forçada. A altura em que estou e meu vidro da janela fechado me poupam de ouvir
as suas verbalizações, que com certeza não foram nada gentis. Eu apenas sorrio,
e penso que loucura!
Volto ao meu chá de
gengibre com gotas de limão que está quentinho e me enfio debaixo do edredom aconchegante, e vou me lembrar
de quantas vezes eu pude ficar com janelas abertas e mesmo assim conseguir
respirar, isso era quando estava na fazenda de meus avós, e os únicos sons que
me acordavam era de grilos, pássaros, cigarras e outro bichos felizes a viver a
vida como eu gostaria.
Num dado momento de minhas
conjecturas eu me compadeço de você, que provavelmente não acordou gripado hoje,
e teve que sair de casa para a lida, ao
certo enfrentou um ônibus abarrotado de trabalhadores, ou se sentiu assaltado
na bomba de combustível, e encarou o trânsito mais uma vez engarrafado, e ainda filas de bancos sem fim. Você que engoliu
muita fumaça preta, muito “sapos” do chefe estressado, que saiu para o almoço e
voltou atrasado, ou você que nem teve tempo de almoçar. Eu me compadeço de
você, que infelizmente retornou desamparado e desesperançado, sem o atendimento
do hospital mal equipado, e pensou: “Para
onde é que foi o dinheiro dos impostos que eu pago?”- Como eu também pensei.
E pelo cansaço e
medicação eu adormeço, e sonho com uma cidade bem projetada, onde os políticos
amam o povo que os elegeu e os paga tão bem, e assim retribuem com saúde e
educação pública exemplar. Um lugar onde a poluição foi erradicada por
pesquisas patrocinadas pelo governo, e descobertas por esses maravilhosos
cientistas que nós temos hoje em nosso país. Na cidade grande dos meus sonhos,
cada um respeita o seu próximo e por isso não há injustiça e má distribuição de
renda, e todos podem respirar aliviados. Até as árvores são mais saudáveis e
têm líquens em seus troncos, porque o
ar está limpo. E os seus galhos acolhem ninhos de passarinhos cantantes...
Então eu acordo com o
estrondo uma batida violenta nas ruas lá em baixo. E percebo que eu e você
ainda vivemos nesta mesma cidade. E só nos resta tentar nunca perder as
esperanças de morar um dia em um lugar de meus sonhos.
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