sábado, 23 de julho de 2011

Um anjo diferente


Um anjo diferente

Lucas ostentava ainda uma barba longa e meio grisalha desde o choque daquele fim de semana. Parece que agora ele havia perdido o nexo entre a realidade e o místico, nesse ínterim não estava cuidando da aparência como era de costume. Homem vaidoso e metódico que era, estava irreconhecível.
Voltemos a um mês atrás, na fazenda de Lucas, na área de camping, na parte designada aos jogos de tiros, para ser mais preciso.
O avô das crianças, Sr. Antônio, estava sentado à sombra confortável de uma jabuticabeira naquela manhã de sol agradável enquanto vigiava o casal de netos menores, filhos de Pedro, que ora estavam tomando banho de mangueira, ora brincando no playground e ora brincando de construir coisas na areia. Já o primogênito Lucas, estava com a turminha mais velha, entre seus próprios filhos e todos os colegas convidados.
Era assim que eram todos os meses, pelo menos em um dos fins de semana para aquela família: descanso da cidade grande, jogos o dia todo, brincadeiras e, principalmente, a indispensável competição encravada nos genes masculinos.
Lucas herdou do pai, que herdou de seu pai, e assim por diante, o gosto inenarrável pela caça. Desde criança praticava esse ritual, e o pai lhe inculcou bem fundo o gosto e as técnicas de manejar as armas diversas que usavam durante seus acampamentos. Entre algumas das armas estavam o arco e flecha, o preferido de Lucas, mas ele também usava besta, rifles, espingardas e similares, e frequentemente participava de campeonatos de tiro ao alvo junto de seu irmão Pedro e de seus amigos, promovidos sempre pelo pai e companheiro Sr. Antônio.
Não poucas vezes, Lucas e o irmão voltavam para casa com bichos exóticos, exibindo-os como troféus. Diziam para pobre mãe que eles mesmos iriam preparar a janta, e aí estava armado o mesmo cenário: a mãe saía de estômago revirado em busca do responsável por aquele impasse.
 – Antônio, eu não vou mexer naqueles bichos horrorosos que estão lá na cozinha não.
– Eu já sei querida.
– Mas você vai mesmo saber preparar todos esses novos bichos estranhos? Uma hora vão acabar comendo algo intoxicante, e não digam que não avisei.
– Não se preocupe amor, papai me ensinou direitinho, vai dar tudo certo.
Então se seguia o mesmo ritual, os homens da casa na cozinha vivendo a segunda parte da aventura, que era preparar o jantar. Já a mãe, D. Alice, pedia logo uma pizza. Não arriscava nunca.
***
Com o tempo Lucas aperfeiçoou as técnicas de caça, mas com sua consciência totalmente ecológica, se viu obrigado a fazer adaptações, banindo de vez a caça esportiva de sua prática. Não achava justo com os pobres animais, que muitas vezes estavam até ameaçados de extinção. Trocou o prazer do alvo móvel por uma máquina atiradeira, e assim disputava com os companheiros de esporte, quem acertaria mais “bichos de barro”. Uma farra que era sempre barulhenta, sadia e politicamente correta.
Mas o fato de que falei no começo da história, ocorreu mesmo foi entre os alvos fixos daquela fazenda. Aqueles que ficavam pendurados numa espécie de tripé ou cavalete. Os enormes objetos redondos, cheios de linhas pretas concêntricas, ficavam ali pendurados, suportando os golpes de dezenas de balas e outras vezes flechas, dependendo do circuito do campeonato.
Naquele dia a disputa estava acirrada entre os jovens competidores. Na soma dos pontos havia três deles empatados e o quarto lugar só deixava uma distância mínima de dois pontos. Tudo estava delicioso e tenso.
Sr. Antônio vigiava os netos mais novos, como eu já disse antes, e num dado momento, Eduarda se levantou de repente e começou a liberar todo o conteúdo do seu intestino na sua roupa, que incapaz de contê-lo, deixou-o descer pelas suas pernas branquinhas de boneca do vovô. Ele a pegou nos braços todo atrapalhado, e como não tinha destreza para cuidar daquela situação de emergência, decidiu levá-la rapidamente para a casa principal onde as mulheres estavam reunidas. Elas sim saberiam o que fazer.
Mas nessa mexida toda, o pequeno Gabriel acabou sendo esquecido brincando sozinho na areia. O garoto era criativo que só, e assim que notou a orfandade instalada, tratou logo de sair pela área como um grande explorador. E na sua mente de criança, agora ele teria que se esconder pelas árvores e moitas, ou qualquer outra coisa que pudesse mantê-lo a salvo do avô que logo voltaria para capturá-lo.
E vejam só que ideia infeliz! Gabriel tratou de achar justamente um dos alvos para se esconder atrás. A sua altura dava exatamente no furo central da tábua circular, local conhecido como “mosca”. Por esse furo ele ficaria vigiando a chegada de qualquer inimigo que quisesse aprisioná-lo.
O circuito de tiros estava para começar. Os jovens terminavam de calibrar e carregar suas armas. Estavam eufóricos pelo resultado. Lucas se posicionou diante do alvo e como um pavão pomposo chamou a atenção dos rapazes. Ele empunhava sua arma com uma pose impecável e disse que os ensinaria como fazia um verdadeiro profissional de tiros. Apontou para frente, ensaiou um tiro perfeito e engatou o dedo no gatilho... TOW!
***
Nesse exato segundo ouviu-se um estrondo terrível seguido de gritos apavorados, uma correria desatinada de todos ali presentes. O caos estava instalado. Lá estava o corpo estendido no chão, ensanguentado.
Ninguém entendia bem o que aconteceu nos primeiros minutos. O fato é que o cachorro que a pouco dormia, agora atacava o dono verozmente. No começo Lucas pensou que o animal podia estar doente, mas quando avistou Gabriel sair pálido de trás do alvo que estava sob mira, entendeu na hora que aquilo que aconteceu foi coisa de outro mundo.
Seu dócil cão na verdade não estava doente, ele foi um anjo. Um anjo diferente! E que salvou aquela família de uma grande tragédia, e por fim, mudou não só o desfecho da história, mas os conceitos do cético Lucas.
Agora aquele homem andava a refletir sobre a existência de um mundo para além do que ele conhecia e cria até aquele tumultuado e místico dia.


© Por Lilly Araújo-21/06/2011-Direitos Autorais Reservados.


Publicado na CBJE-RJ

Dia Híbrido








Dia Híbrido

Hoje à tarde, enquanto eu repousava meus olhos no perdido do horizonte, sem procurar por nada, apenas tentando escapar daqueles instantes angustiosos do dia a dia que não chega a matar, mas por outro lado, tem um poder de ir sufocando-nos por dentro, como se quase conseguisse abrir a porta que dá passagem ao outro lado, e nos empurrar para onde todo mundo chega mais dia, menos dia. E tem uns dias que parece que até seria uma boa opção conhecer a “face oculta” da morte, mas há outros dias que a vida fica mais suave, psicodélica e até convidativa.
Hoje foi um dia híbrido. Não sei bem o que eu estava sentindo. Tantas notícias diversas de tantas vidas alheias. Fiquei absorta, vagando num ambiente perdido entre dois mundos.
Primeira surpresa e por assim dizer muito triste: Minha amiga de faculdade, que foi muito íntima, e muito importante durante os quatro anos em que nos graduávamos, enviuvou-se. Não que isso tenha idade certa, mas trinta e poucos, não me lembro exatamente, penso ser muito cedo para se passar por isso, e ainda mais que ela tem um filhinho pequeno e outro no ventre. Ainda assim a leucemia resolveu atravessar seu esposo para o outro lado. A notícia revirou minhas emoções. Nós duas já não temos contato direto há mais de dez anos, desde que nos formamos. É quase sempre assim, cada um vai seguir a sua vida, e o cotidiano se interpõe entre grandes amizades, mas ainda assim, senti a sua perda como se ainda estivéssemos bem próximas, quase pude adivinhar a expressão de dor que devia estar em sua face agora.
Já minha outra amiga da faculdade, está cheia de alegrias, teve seu segundo bebê, aparentemente de um casamento feliz. É um lindo menino. Um tão esperado homem na sua família. Ela foi coroada com o Lótus.
Uma prima minha, assombrada pelo título de “titia”, encontrou alguém especial, vai se casar, finalmente depois de tanta procura e tanta espera. O candidato parece ser mesmo pessoa certa. Estão apaixonados! Os dois estão nas nuvens! Fiquei preocupada. Fiquei feliz. Confusa ainda mais uma vez nesse mesmo dia.
Nesse vácuo do cupido também está uma querida tia, pretende se enlaçar finalmente, depois de ter saído de um longo e desastroso casamento. Agora, me disse que vai formalizar o novo relacionamento que a está fazendo sorrir e ficar como adolescente novamente.
Minha mais recente amiga, que conheci ao trabalhar com seu marido, está indo embora para sua terra, separada, me contou pelo MSN. Separou-se, depois de dois anos de um relacionamento conflituoso por causa da religião, de novo isso falou mais alto entre a humanidade. Ele judeu, ela cristã; e mais uma vez a religião conseguiu separar pessoas. Então agora ela não volta mais de sua distante terra natal, para nosso convívio que estava tão doce.
Dia estranho. Híbrido. Cheio de sentimentos que não consegui administrar ou classificar.
Enquanto isso, à tarde, eu repousava os olhos no horizonte, e pude contemplar um lindo colibri azul-esverdeado. Pareceu-me bem feliz, voando em volta da minha mangueira florida. Fiquei nostálgica, e um pouco preocupada de que ele virasse comida de um dos meus bichanos, enquanto voava inocente e alheio ao perigo, beijando as flores e cantarolando seu assovio agudo característico. Bastava um bote e num só pulo do gatuno, a avezinha iria fazer companhia ao marido da minha amiga, e descobriria o que tem do outro lado da porta sombria chamada morte. Mas não era ainda seu dia. Hoje não foi o último dia do colibri feliz. Ainda não. Cada um tem sua hora, cada tem no seu dia de dizer: - Adeus!
Assim, continuei o dia e deixei que o dia continuasse, sem saber o que sentir nesse dia tão mesclado de emoções, pois esse dia foi definitivamente: Um dia Híbrido!


© Por Lilly Araújo - Direitos Autorais Reservados.


Publicado na CBJE- RJ


quarta-feira, 20 de julho de 2011

A maldição da mancha

















A maldição da mancha

Papai era corretor de imóveis desde que se entendia por gente. Isso era já coisa de família, o pai dele era, e o avô também. Mas papai não me obrigaria a seguir carreira não, ele era bem flexível, e disse que eu é que deveria escolher o meu futuro. Mas se eu quisesse seguir os seus passos já era meio caminho andado, porque eu vivia enfiado na agência, e muitas vezes o vi em prática fechando contratos mirabolantes. Ele era mesmo muito bom negociante.
Eu me lembro bem de uma das vezes em que papai fechou uma venda grande, a comissão foi tão gorda, que papai não economizou. Comprou para mamãe uma máquina de lavar de última geração, um micro-ondas novo, e é claro, chegou com flores em casa e levou-a para um jantar a dois. Chegaram tão tarde que eu nem vi. Mas no outro dia, ela estava com um sorriso incontido no rosto e um anel cujo brilho prendeu a minha atenção, e não só a minha, mas a do meu gatinho também, que ficava correndo atrás do feixe de luz produzido pela jóia. Mas, o melhor mesmo foi quando notei que no meio da sala estava um pacote enorme embrulhado para presente, e um bilhete com meu nome nele. Fiquei semanas vendo estrelas. Já nem comia mais direito. Finalmente eu ia poder treinar para as disputas de fim de semana com meus amigos, pois tinha ganhado o tão sonhado vídeogame.
E como papai era um homem muito justo e moderado, imaginem só a surpresa que eu e minha mãe tivemos, quando um funcionário uniformizado tocou a nossa campainha em plena manhã de sábado perguntando pelo Sr. Gumercindo, meu pai. Atrás dele estava um Camaro igualzinho ao do Transformers. Amarelo com faixas esportivas pretas. Era realmente o Camaro Bumblebee! Na minha imaginação de criança, fiquei pensado em qual hora ele se transformaria em robô e falaria com a gente. O que é claro, nunca aconteceu.
– Papai, corre aqui em baixo. Tá acontecendo algo muito estranho!
– Deve ser a minha encomenda. Tô descendo já.
Minha mãe ficou em silêncio. Aturdida. Apenas esperando por uma explicação lógica para tudo aquilo, se é que teria alguma. (...)

E tudo se apascentou em nossos corações surpresos depois de uma semana. Como ele nunca havia feito nenhuma extravagância na vida que não fosse em prol dos outros, nada mais justo que agora ele realizasse o seu próprio sonho, por mais destoante com seu perfil que tivesse sido. Eu e mamãe acabamos adorando a idéia de desfilar por aí dentro de um carro meio super-herói. E nem preciso dizer o quanto o papai tinha zelo por aquele carro para vocês, não é? Limpava. Encerava. Lustrava. Revisava entusiasmadamente o bichinho amarelo. E se pensávamos que era empolgação de início, nos enganamos redondamente. Piorou muito. Com o tempo eu mal podia encostar-me à lataria, do agora intruso, sem o papai ralhar comigo.
Até que um dia o pior aconteceu!
Apareceu uma mancha amarela bem no meio da faixa preta daquele carro idiota. E papai foi à loucura. (loucura mesmo, vocês breve vão entender o que digo!)
De início ele pensou que fosse um descascado mostrando então a tinta amarela por baixo da bela faixa, mas não era. Era simplesmente uma mancha misteriosa. Nenhum dos profissionais conseguia explicar a origem daquela tragédia para papai.
Ele começou a ter um comportamento irritadiço a cada vez que abria o portão da garagem e lá estava a maldita mancha olhando para ele, debochando de sua impotência de se livrar dela. E parecia mesmo que ela se alimentava de sua tristeza, porque crescia sorrateiramente pelo capô, causando-lhe ainda mais dor.
 E assim, eu vi meu pai se transformar aos poucos numa pessoa totalmente diferente. Ele passou a ficar obcecado por manchas. Certa vez jogou a TV lá fora no quintal e dizia que a mancha agora estava querendo tomar também a sua casa, só porque eu tinha, sem querer, espirrado um jato de mostarda na tela da pobre coitada.
E como a mancha não parava de crescer, tudo foi piorando na vida de papai. Até que por fim, ele terminou despedido por se recusar a atender um cliente “graúdo”, só porque o sujeito estava com a gola da camisa toda manchada. Chegou até a agredir verbalmente o desavisado, que não entendeu patacas. Ainda bem que sendo muito querido por todos ao seu redor, o seu chefe nem lhe deu uma “justa causa”, e ele acabou recebendo ainda uma boa bolada.
Mas o pior mesmo foi quando ele ficou três dias inteiros trancado dentro do seu quarto, com um monte de frascos de tira-manchas na mão esfregando por todo lado.
Não teve outro jeito. Mamãe chamou os médicos e papai foi encaminhado a uma clínica psiquiátrica. Foi um golpe!
Mas lá papai foi muito bem tratado. Recebia nossas visitas com um sorriso que eu já estava até me esquecendo de como era. E começou a descobrir dons que nem sabia que possuía, como por exemplo, o de pintar maravilhosos quadros. Por fim eu achava que papai estava bem melhor que antes. Quando só vivia do trabalho para casa e vice-versa. E nunca reclamava de nada, mas eu percebia que os seus olhos não eram felizes.
 O médico até explicou que papai sofreu um ataque porque reprimia desde muito cedo suas emoções. O vovô, não era como ele, tão calmo e generoso, sem querer ou não, havia submetido o pobre filho a muita pressão. (...)

Então, tudo estava indo muito bem. Papai já estava quase por receber alta. Ele já havia até se decidido dedicar-se à nova profissão de pintor de quadros. Mas, uma funcionária nova cometeu um erro fatal. Entregou gentilmente o uniforme limpo de papai sem saber do seu mal, pois quando ele desdobrou o avental:
Lá estava ela. Enorme! Zombando-lhe, com um riso sarcástico de vitória. Aquela maldita mancha amarela.


© Por Lilly Araújo-17/05/2011 - Direitos Autorais Reservados.



















Pubicado na CBJE -RJ

sábado, 9 de julho de 2011

Um Lugar De Meus Sonhos


Um Lugar De Meus Sonhos

Acordei muito gripada. Resolvi nem sair de casa hoje, porque nesse estado seria muito difícil enfrentar um ônibus lotado, e poderia acabar disseminando esse vírus que me pegou de jeito. E ir de carro com a gasolina a 3 reais e 15 centavos? Nem pensar!
Fiquei em casa mesmo refletindo...
Eu sou brasileira e pago os meus impostos, até os que desconheço eu vou pagando, e pagando. Mas quando entro no hospital público é sempre a mesma história: “O médico de plantão ainda não chegou e já tem 30 pessoas na sua frente!”. O jeito é esperar, ou me automedicar, ou pagar mais uma vez por um médico particular.
E o Brasil está crescendo em ritmo assustador. Talvez seja até por isso que os impostos não baixam, porque senão o povo consome muito e desregula a economia. Esse papo econômico que eu nunca entendo direito. Porque a escola fez questão de nos treinar para outras coisas, que não, entender as peripécias econômicas, malandragens políticas e de nossos direitos civis, nada garantidos pela maioria dos candidatos que elegemos “democraticamente”.
 Então eu me dou ao luxo forçado de ficar em casa e observar de fora, como um mero expectador, o pulsar frenético da cidade grande. De dentro do meu apartamento estou a salvo! Pelo menos por um dia.
Aqui da minha janela eu vejo as fumaças saindo dos escapamentos dos milhares de carros engarrafados no trânsito febril, e brinco de imaginar bichinhos e objetos se formando nelas, assim como fazia com as nuvens quando era criança. Percebo quando um motorista a beira de em surto psicótico coloca o corpo do lado de fora de seu carro e gesticula enraivecidamente contra um outro, que acabou de lhe dar uma fechada para conseguir uma ultrapassagem forçada. A altura em que estou e meu vidro da janela fechado me poupam de ouvir as suas verbalizações, que com certeza não foram nada gentis. Eu apenas sorrio, e penso que loucura!
Volto ao meu chá de gengibre com gotas de limão que está quentinho e me enfio debaixo do edredom aconchegante, e vou me lembrar de quantas vezes eu pude ficar com janelas abertas e mesmo assim conseguir respirar, isso era quando estava na fazenda de meus avós, e os únicos sons que me acordavam era de grilos, pássaros, cigarras e outro bichos felizes a viver a vida como eu gostaria.
Num dado momento de minhas conjecturas eu me compadeço de você, que provavelmente não acordou gripado hoje, e teve que sair de casa para a lida, ao certo enfrentou um ônibus abarrotado de trabalhadores, ou se sentiu assaltado na bomba de combustível, e encarou o trânsito mais uma vez engarrafado, e ainda filas de bancos sem fim. Você que engoliu muita fumaça preta, muito “sapos” do chefe estressado, que saiu para o almoço e voltou atrasado, ou você que nem teve tempo de almoçar. Eu me compadeço de você, que infelizmente retornou desamparado e desesperançado, sem o atendimento do hospital mal equipado, e pensou: “Para onde é que foi o dinheiro dos impostos que eu pago?”- Como eu também pensei.
E pelo cansaço e medicação eu adormeço, e sonho com uma cidade bem projetada, onde os políticos amam o povo que os elegeu e os paga tão bem, e assim retribuem com saúde e educação pública exemplar. Um lugar onde a poluição foi erradicada por pesquisas patrocinadas pelo governo, e descobertas por esses maravilhosos cientistas que nós temos hoje em nosso país. Na cidade grande dos meus sonhos, cada um respeita o seu próximo e por isso não há injustiça e má distribuição de renda, e todos podem respirar aliviados. Até as árvores são mais saudáveis e têm líquens em seus troncos, porque o ar está limpo. E os seus galhos acolhem ninhos de passarinhos cantantes...
Então eu acordo com o estrondo uma batida violenta nas ruas lá em baixo. E percebo que eu e você ainda vivemos nesta mesma cidade. E só nos resta tentar nunca perder as esperanças de morar um dia em um lugar de meus sonhos.

© Por Lilly Araújo-20/04/2011- Direitos Autorais Reservados.



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