sábado, 23 de julho de 2011

Dia Híbrido








Dia Híbrido

Hoje à tarde, enquanto eu repousava meus olhos no perdido do horizonte, sem procurar por nada, apenas tentando escapar daqueles instantes angustiosos do dia a dia que não chega a matar, mas por outro lado, tem um poder de ir sufocando-nos por dentro, como se quase conseguisse abrir a porta que dá passagem ao outro lado, e nos empurrar para onde todo mundo chega mais dia, menos dia. E tem uns dias que parece que até seria uma boa opção conhecer a “face oculta” da morte, mas há outros dias que a vida fica mais suave, psicodélica e até convidativa.
Hoje foi um dia híbrido. Não sei bem o que eu estava sentindo. Tantas notícias diversas de tantas vidas alheias. Fiquei absorta, vagando num ambiente perdido entre dois mundos.
Primeira surpresa e por assim dizer muito triste: Minha amiga de faculdade, que foi muito íntima, e muito importante durante os quatro anos em que nos graduávamos, enviuvou-se. Não que isso tenha idade certa, mas trinta e poucos, não me lembro exatamente, penso ser muito cedo para se passar por isso, e ainda mais que ela tem um filhinho pequeno e outro no ventre. Ainda assim a leucemia resolveu atravessar seu esposo para o outro lado. A notícia revirou minhas emoções. Nós duas já não temos contato direto há mais de dez anos, desde que nos formamos. É quase sempre assim, cada um vai seguir a sua vida, e o cotidiano se interpõe entre grandes amizades, mas ainda assim, senti a sua perda como se ainda estivéssemos bem próximas, quase pude adivinhar a expressão de dor que devia estar em sua face agora.
Já minha outra amiga da faculdade, está cheia de alegrias, teve seu segundo bebê, aparentemente de um casamento feliz. É um lindo menino. Um tão esperado homem na sua família. Ela foi coroada com o Lótus.
Uma prima minha, assombrada pelo título de “titia”, encontrou alguém especial, vai se casar, finalmente depois de tanta procura e tanta espera. O candidato parece ser mesmo pessoa certa. Estão apaixonados! Os dois estão nas nuvens! Fiquei preocupada. Fiquei feliz. Confusa ainda mais uma vez nesse mesmo dia.
Nesse vácuo do cupido também está uma querida tia, pretende se enlaçar finalmente, depois de ter saído de um longo e desastroso casamento. Agora, me disse que vai formalizar o novo relacionamento que a está fazendo sorrir e ficar como adolescente novamente.
Minha mais recente amiga, que conheci ao trabalhar com seu marido, está indo embora para sua terra, separada, me contou pelo MSN. Separou-se, depois de dois anos de um relacionamento conflituoso por causa da religião, de novo isso falou mais alto entre a humanidade. Ele judeu, ela cristã; e mais uma vez a religião conseguiu separar pessoas. Então agora ela não volta mais de sua distante terra natal, para nosso convívio que estava tão doce.
Dia estranho. Híbrido. Cheio de sentimentos que não consegui administrar ou classificar.
Enquanto isso, à tarde, eu repousava os olhos no horizonte, e pude contemplar um lindo colibri azul-esverdeado. Pareceu-me bem feliz, voando em volta da minha mangueira florida. Fiquei nostálgica, e um pouco preocupada de que ele virasse comida de um dos meus bichanos, enquanto voava inocente e alheio ao perigo, beijando as flores e cantarolando seu assovio agudo característico. Bastava um bote e num só pulo do gatuno, a avezinha iria fazer companhia ao marido da minha amiga, e descobriria o que tem do outro lado da porta sombria chamada morte. Mas não era ainda seu dia. Hoje não foi o último dia do colibri feliz. Ainda não. Cada um tem sua hora, cada tem no seu dia de dizer: - Adeus!
Assim, continuei o dia e deixei que o dia continuasse, sem saber o que sentir nesse dia tão mesclado de emoções, pois esse dia foi definitivamente: Um dia Híbrido!


© Por Lilly Araújo - Direitos Autorais Reservados.


Publicado na CBJE- RJ


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