Apeteceu-lhe o paladar olhar aquela
figura que há poucos minutos atrás se apresentava com tanta virilidade, agora
imóvel, exausta e já sem sinal de vitalidade alguma.
Para acalmar os ânimos de seu interior
ainda sedento, saiu sorrateiramente da cama e abriu a porta de correr que dava
para varanda. Era noite quente. Sentiu o contraste em sua tez, quando uma brisa
com cheiro de mar fresco alcançou-lhe, e atrevidamente percorreu o seu corpo
seminu, protegido apenas pelo camisão abotoado displicentemente.
Lembrou-se de seu pai, que a levava
quando criança, para descobrir as diversas formas de vidas encravadas na areia
da praia. Lá construíam castelos juntos, bem ao alcance das ondas, e assim
podiam ficar horas e horas na arte de construir e reconstruí-los, logo que as
águas salgadas faziam a vez de demolidor. Era sempre uma nova perspectiva da
criação, e uma nova realização pessoal do criador que há dentro de cada ser
humano. Ela aprendera muito com esse grande homem que fora seu pai,
principalmente a lição de se levantar diante de qualquer queda, fosse o tamanho
que fosse, e de suportar a perda, ainda que de alguém que se amasse
descomedidamente, como ela sempre o amou, mas um dia teve que dizer adeus.
Distraída em seu mundo de lembranças e
sentimentos, não notou quando um inseto se arrastou próximo de seus pés, mas
assim que percebeu que se tratava de uma temível e asquerosa barata, perdeu-se
de sua nostalgia instantaneamente. De início só conseguiu sentir pavor, mas
isso se transformou em asco e logo em seguida em indignação e raiva. Sem
pestanejar, deu-lhe uma pisada de calcanhar, e pode sentir o exoesqueleto do
inseto trincando debaixo de seu pé descalço, liberando todo o conteúdo
esbranquiçado e mal cheiroso.
Em qualquer outro dia, diante dessa
situação, teria saído correndo, vencida pelo medo daquela figura. Mas não hoje.
Hoje era dia de reviravoltas, e de reconstruir até os próprios temores. Assim,
como aprendera com seu falecido pai.
Refeita do susto, resolveu tomar um
banho morno. Deixou que a água lavasse não somente o corpo, mas também a sua
alma vingada.
Voltou para cama e tomou posse daquele
corpo ainda entorpecido. Usou de seus artifícios mais femininos e predadores e
elevou em instantes a libido daquele ser agora totalmente indefeso e entregue à
própria sorte. Outro dia qualquer, ela teria sido apenas passiva, submissa e
tímida. Mas não hoje. Hoje era dia de reviravoltas, e de reconstruir até seus
próprios pudores.
Gemeu. Suou. Contorceu-se. E
reconstruiu seus laços com aquele ser que tanto desejava. Finalmente pôde enfim
se sentir reconstruída. Sentir-se mulher.
Lilly Araújo
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